“a poesia é uma espécie de sexto sentido, que me coloca em sintonia com a pluridimensão da vida” — entrevista com Caio Junqueira Maciel
A 69ª de uma série de entrevistas com as/os poetas da editora Urutau
por Silvia Penas Estévez & nósOnça
O que é poesia para você?
A poesia é uma espécie de sexto sentido, que me coloca em sintonia com a pluridimensão da vida. Como tenho uma vista de menos e sou um pouco surdo, a poesia é uma ponte pra novas visões e cantos e encantos.
Quando escreve, pensa em interlocutores? Sua escrita lhe afeta?
No primeiro momento, a poesia nasce de uma pulsão íntima, intransferível. Depois, vem um segundo momento, de reflexão e impulso social. Aí é necessário a percepção do outro. E, claro, todo esse processo afeta-me intensamente, como se eu tivesse feito um gol numa partida de final do campeonato.
Quais são os/as poetas da atualidade/vivos/vivas que mais lhe tocam nesse momento?
Poeta bom é poeta morto, como se diz nas sociedades literárias…Mas, já que querem que cite os vivos, menciono Silviano Santiago, que é poeta além de brilhante ensaísta e romancista, e cito Adriane Garcia, Antônio Barreto e Affonso Romano de Sant’Anna.
O que você opina sobre as redes sociais como difusoras de arte? Colaboram de certa forma para a existência da poesia?
As redes sociais ajudam a divulgar, informar e fazer circular a poesia, e creio que, no futuro, esse espaço aínda será mais aperfeiçoado.
Nos últimos anos tivemos uma série de acontecimentos no Brasil (do fim da era Lula à ascensão da extrema direita) e também uma maior visibilidade aos movimentos de lutas sociais (feminista, LGBTQIA+, indígena, quilombola, anti-racistas…) — isso reverbera na sua criação literária?
O contexto histórico sempre está nas linhas ou entrelinhas do texto poético, não há como fugir disso. Meus recentes livros apontam isso, às vezes até de forma ostensiva. Pele de jabuticaba foi escrito a partir de uma revisão de preconceitos raciais sobre a elite rural de Minas Gerais.
O seu poema nasce de súpeto, como algo que golpeia e sai de uma maneira explosiva e rápida ou é um processo mais pausado e longo?
Cada poema tem um histórico ou gênese diferente. Alguns irrompem no meio da noite e exigem o despertar, para que o solavanco na alma se harmonize na serenidade da reescrita. Há outros que são trabalhados ao longo de um tempo, que pode variar em horas, dias, meses ou até anos. Poemas que são retomados quando achávamos que já eram definitivos defuntos.
O seu livro, Pele de jabuticaba, como ele surgiu?
Pele de jabuticaba é fruto ( sem trocadilho) de um longo pensar e pesar prós e contras de um episódio histórico, que atingiu meus ancestrais: parte da família Junqueira foi massacrada numa revolta de escravos, em 1833. Das conversas em família, ao longo das gerações, a gente vai ouvindo, vai lendo, vai refletindo, vai doendo e daí vem surgindo a imperiosa necessidade de dar em versos nossa modesta versão.
Qual é o seu verso favorito do livro? Há alguma explicação?
Gostaria de citar os dois versos iniciais do poema “Jabuticabas”, que, praticamente, fizeram deflagrar todos os poemas do livro: “Esta doçura/ tem casca preta”. Daí vem a imagem das jabuticabas da fazenda onde houve o massacre, e a figura do negro, algoz e vítima desse triste acontecimento.
Como você conheceu a editora Urutau?
Conheci a Urutau através das redes sociais, creio que pelo Facebook. Estava preparando para uma viagem, vi uma chamada no site e preparei o livro, que jazia numa gaveta…
Caio Junqueira Maciel
é pseudônimo e apelido afetivo de Luiz Carlos, um dos treze filhos de Juca e Nicota, nascido em Cruzília, Minas Gerais, em maio de 1952. Fez os primeiros estudos em sua terra; cursou o colegial no Instituto Padre Machado, de Belo Horizonte, onde obteve o título de mestre em literatura brasileira, pela UFMG, dissertando sobre a poesia de Dantas Mota. Foi professor de literatura brasileira por quarenta anos. Foi editor, com Gilberto Xavier, dos Cadernos de literatura comentada, pelas Edições Horta Grande. Publicou ensaios em jornais e revistas do Brasil e de Portugal — país em que viveu por quase um ano, em Braga. Obteve o primeiro lugar no concurso artístico Teixeira de Pascoaes, em 2017, outorgado pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Publicou livros de poemas (Sonetos dissonantes; Felizes os convidados; Doismaisdois é igual ao vento; Era uma voz: sonetos só pra netos; Paiol). Participou de várias antologias com poemas e contos, entre elas, Jovens contos eróticos, da editora Brasiliense; Antologia Coletivo 21, pela Autêntica; Adolescência & Cia., pela Miguilim. Como letrista, tem parcerias com Zebeto Correa nos CDs Era uma voz, Trilhas da Literatura Brasileira, Recados de Minas e Poemas para cantar e dançar, além de um CD com Newton Maciel Ribeiro, Parceiros do tempo. Casado com a professora Francisca, com quem tem os filhos: Pedro Luís, Ludmila e Oswaldo; e as duas netas: Helena e Ágata.