“a recriação do passado pelos olhos de meu filho (vivo) e dos familiares (mortos)” — entrevista com Danilo Bueno
102ª de uma série de entrevistas com as/os poetas da editora Urutau
por Silvia Penas Estévez & nósOnça
O que é poesia para você?
É a parte que faltava para a liberdade e para o amor.
Quando escreve, pensa em interlocutores? Sua escrita lhe afeta?
Sim, penso em interlocutores. Porém, não fico paralisado com a recepção. Tenho buscado uma relação maior entre vida/obra. A escrita me afeta na medida que é a minha segunda atenção.
Quais são os/as poetas da atualidade/vivos/vivas que mais lhe
tocam nesse momento?
São muitos, seria estranho citar todos. Tenho uma relação muito errática com a leitura… Vou lendo de um jeito quase aleatório. Para citar somente um nome: Leonardo Fróes.
O que você opina sobre as redes sociais como difusoras de arte? Colaboram de certa forma para a existência da poesia?
Sim, colaboram na difusão da poesia, não em sua existência. A tecnologia será o que fizermos dela.
Nos últimos anos tivemos uma série de acontecimentos no Brasil (do fim da era Lula à ascensão da extrema direita) e também uma maior visibilidade aos movimentos de lutas sociais (feminista, LGBTQIA+, indígena, quilombola, anti-racistas…) — isso reverbera na sua criação literária?
Sim, creio que esse entorno político e econômico reverberam de alguma forma. No entanto, meu processo de criação evita a “propaganda” e a adesão aos discursos dominantes de adequação política e social para conseguir espaços de publicação e visibilidade, como é, infelizmente, comum hoje. Acho péssimo o uso massivo de grandes causas e ideologias para definir o curso da escrita. Poesia, ao meu ver, é o exercício máximo da liberdade. Em outras palavras: não escreveria um texto porque preciso combater o fascismo ou apoiar o feminismo, pura e simplesmente. Eu o faria (e com muito gosto) pela depuração e entronização dessas urgências na minha percepção, sem a necessidade em ser “funcionário do contemporâneo”.
O seu poema nasce de súpeto, como algo que golpeia e sai de uma maneira explosiva e rápida ou é um processo mais pausado e longo?
Cada poema se nomeia e se faz. Se eu soubesse como o próximo seria feito, teria menos interesse em escrever poesia.
Cada poema é uma aventura mental, emocional, espiritual… Já tive muitos processos criativos, o que vale dizer que já vivi muitas coisas diferentes para se escrever um poema. Inclusive, gosto de esquecer certos processos para poder lembrá-los depois.
O seu livro, Sete e meio, como ele surgiu?
Sete e meio recolhe a produção de 2016/2020 (até antes da pandemia). Essa recolha volta a atenção à paternidade, à família, ao coração da criança e aos jogos que elas curtem. É um acerto de contas com o passado, ou melhor, é a recriação do passado pelos olhos de meu filho (vivo) e dos familiares (mortos).
Qual é o seu verso favorito do livro? Há alguma explicação?
Talvez seja a parte de um poemas em prosa: “E uma criança muito pequena, que vê as horas em dados coloridos e sabe que o vento brinca de esconde-esconde (…)”. Gosto desse trecho pois a primeira parte eu vi e a segunda eu escutei.
Meu filho Joaquim, que devia ter 3 anos, foi o ator da cena toda.
Como você conheceu a editora Urutau?
Quando notei, eu já tinha livros da Urutau em casa. Tenho uma relação bem próxima com a poesia contemporânea brasileira e portuguesa e vivo atravessado por publicações.
Foi muito bacana conhecê-la. Quanto à chamada aberta para a publicação do livro, fui avisado por um amigo.
Alguma observação que queira acrescentar?
Queria agradecer aos editores e desejar muitas alegrias futuras com a vivência sempre fantástica com a poesia.
Queria dizer também que precisamos traduzir o argentino Roberto Juarroz (1925–1995) para o português do Brasil.
Danilo Bueno
(1979, Mauá/São Paulo) é poeta. Coordenou cursos livres de literatura e oficinas de criação poética no Centro Cultural de São Paulo (CCSP), no Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura e no SESC. Veiculou poemas, ensaios e resenhas em revistas e páginas eletrônicas do Brasil e do exterior. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2004), Mestre (2009) e Doutor (2017) em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). É professor de literatura e de xadrez escolar.