“busco não deixar que as minhas palavras sejam asfixiadas pela dita realidade” — entrevista com Carolina Quintella

editora Urutau
5 min readJun 17, 2020

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A 81ª de uma série de entrevistas com as/os poetas da editora Urutau

por Silvia Penas Estévez & nósOnça

Carolina Quintella (Rio de Janeiro, 1996)

O que é poesia para você?

Essa pergunta é ótima. Minha resposta certamente não estará à altura dela, mas me arrisco num palpite: poesia é busca ( e ainda estou buscando descobrir o que é que tanto se busca).

Quando escreve, pensa em interlocutores? Sua escrita lhe afeta?

Isso varia. Às vezes minha escrita é um expurgo, às vezes chego a imaginar interlocutores. Ultimamente tenho pensado muito sobre para quem escrevo ou por que escrevo, mas ainda não cheguei a um consenso comigo mesma. Minha escrita me afeta muito e eu a ela, com certeza. Nunca me sei tanto quanto quando escrevo: inúmeras vezes me descubro em palavras escapulidas, em ideias surgidas e esquecidas, veladas e desveladas, e, por outro lado, também me deixo contagiar, por tempo indeterminado, pelas coisas que escrevo

Quais são os/as poetas da atualidade/vivos/vivas que mais lhe tocam nesse momento?

Ida Vitale ainda é uma de minhas grandes referencias vivas. Além dela, muitas outras — brasileiras, principalmente. Ah, há muitas daqui que me tocam; não quero ser injusta comigo e com elas e esquecer-me ou deixar de citar alguma que realmente me importem, então apenas generalizo dizendo que há várias amigas que me muito me inspiram.

O que você opina sobre as redes sociais como difusoras de arte? Colaboram de certa forma para a existência da poesia?

Sobre isso eu ainda gostaria de meditar um pouco mais. São dúvidas que eu mesma tenho. Por isso, assim prontamente não sei expor uma opinião ou afirmar que sim ou que não. Acho a resposta menos evidente do que parece; o tema é, para mim, bastante complexo. Gosto da ideia de difusão da arte por vias mais tecnológicas (eu mesma as utilizo para expor minhas produções), pela ampla visibilidade que essas vias possibilitam, pela oportunidade de contribuições, inclusive monetárias, para projetos que se lançam fisicamente ou virtualmente. Mas, infelizmente, com isso não digo que de igual maneira a arte alcança maior importância, desperta maior interesse devido a maior visibilidade. Noto, também, que há muita confusão rolando por aí: textos sem nenhum caráter poiético, sem tessitura verbal nenhuma, circulam como poesia e são lidos como tal. Daí toda a minha dúvida. Em meio a essa grande confusão de informações, não sei se a maior circulação e difusão das produções artísticas em redes sociais “colaboram para a existência” delas.

Nos últimos anos tivemos uma série de acontecimentos no Brasil (do fim da era Lula à ascensão da extrema direita) e também uma maior visibilidade aos movimentos de lutas sociais (feminista, LGBTQIA+, indígena, quilombola, anti-racistas…) — isso reverbera na sua criação literária?

Sem dúvida a minha escrita é inevitavelmente marcada pelas circunstâncias históricas e pelas minhas experiências. Tanto Sussurro: cantos de chuva, que traz algumas das questões levantadas pela comunidade LGBTQIA+ para discussão, como todas as minhas outras produções são notavelmente atravessadas por acontecimentos e lutas. Mas busco não deixar que as minhas palavras sejam asfixiadas pela dita realidade.

O seu poema nasce de súpeto, como algo que golpeia e sai de uma maneira explosiva e rápida ou é um processo mais pausado e longo?

Na maioria das vezes os poemas nascem à ponta do lápis, já ao vértice do verbo, sim, sem grandes meditações. Depois de nascidos é que me dão o prazer do cuidado, da criação, da lapidação e da conferência. Assim, tudo neles se vai muito mesclado, entre um processo criativo que num primeiro momento é inteiramente intuitivo e num segundo momento passa a ser mais “autocrítico”. O próprio Sussurro: cantos de chuva não me deixa enganar, já que foi produzido em apenas dez dias, mas muito revisado e trabalhado. Se me perguntassem se eu o revisaria e o alteraria outra vez, a resposta seria sim. Já tive a fase de gostar das coisas inalteradas, conservadas em sua origem, como vêm ao mundo pela primeira vez; hoje, gosto mais de trabalhá-las à exaustão, sempre que possível, buscando jamais esgotar a possibilidade de (re)criação por parte de alguém que deixa de ser mero receptor, para ser leitor-cocriador.

Sussurro: cantos de chuva — Carolina Quintella & Eduarda Vaz (editora Urutau, 2019)

O seu livro, Sussurro: cantos de chuva, como ele surgiu?

Despretensiosamente. Eduarda Vaz, que era minha colega de curso na faculdade, soube da chamada da Urutau faltando quinze dias para o fim do prazo para o envio de originais e, não tendo um original pronto, resolveu me perguntar se eu toparia escrever em conjunto um livro. Era um periodo de férias (isso que já nos esquecemos o que significa), e, embora, na época, eu estivesse ao mesmo tempo redigindo a minha monografia, envolvida com concursos e dando linha às minhas próprias produções, resolvi embarcar nesse desafio. Foi de fato um exercício muito estimulante para mim, porque era a minha primeira experiência com a publicação de poesia. Por fim, da minha sugestão de uma arquitetônica que se desdobrasse num diálogo e percorresse todo um relacionamento, nasce, em apenas dez dias, Sussurro: cantos de chuva, prefaciado pela Helô Buarque, com poemas que se intercalam, sem assinaturas ou sinalizações de qualquer ordem, como uma verdadeira conversa sobre o relacionamento lésbico e tudo o que ele envolve.

Qual é o seu verso favorito do livro? Há alguma explicação?

É difícil para o autor dizer, mas eu gosto muito do poema de abertura do livro, como um todo, porque ele retoma a ideia propulsora do processo de escrita de sussurro, um livro de entrega absoluta, fruto de desafios e estímulos e, sobretudo fruto de muita coragem.

Como você conheceu a editora Urutau?

A conheci por meio desse contato que tive com a divulgação das chamadas para publicação de originais. Desde então, sigo acompanhando a Urutau, essa editora incrível que me proporcionou a possibilidade de publicação, circulação e de quebra ainda me trouxe algumas ótimas e essenciais amizades.

Alguma observação que queira acrescentar?

Acrescento meus elogios a toda a equipe da Urutau, Tiago, Wlad, Sarah Valle, e os estendo à poeta galega Silvia Penas Estévez & nósOnça, por cederem a mim e a tantos outros autores a oportunidade de diálogo, sempre salientando e levantando questões tão importantes. Muita saúde e paz a quem estiver nos lendo e acompanhando. Abraços possíveis e afetuosos, Carolina Quintella.

Carolina Quintella

é escritora, professora, hispanista, artivista e feminista. Licenciada em Letras Português/Espanhol pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e mestranda em Literatura Brasileira pela mesma instituição, acredita no poder das palavras e é coautora de sussurro: cantos de chuva (Editora Urutau, 2019) e Filhes de Sycorax (Desalinho editora e Ganesha Editorial, 2019).

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