“Escrever pra mim é ação” — entrevista com Isis Pessino

editora Urutau
6 min readJul 10, 2020

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A 91ª de uma série de entrevistas com as/os poetas da editora Urutau

por Silvia Penas Estévez & nósOnça

Isis Pessino (Rio de Janeiro, 1997)

O que é poesia para você?

Pra mim é um jeito, um meio, um caminho. Uma possibilidade, um acaso. Palavras escolhidas — isso já é tanto. Poesia pra mim é uma brincadeira, um jogo. Uma brecha, um espaço de experiência.

Quando escreve, pensa em interlocutores? Sua escrita lhe afeta?

Penso e muito. Eu escrevo quando tenho vontade de dizer. É claro que me afeta assim como tudo que acontece, até quando eu não percebo. Mas sempre que eu escrevo tem alguma coisa como que de cura, eu acho, porque é muito divertido. E a cura pra mim tem a ver com esse lugar (folha em branco) onde eu posso fazer escolhas (palavras, linhas, o que tiver que ser usado — ferramentas de trabalho) como se fosse um grande jogo, uma brincadeira: que mais me parece um soco no estômago. E por isso cura. Porque é assumir o soco, lidar, caçoar, falar eu te amo pro soco. Sei lá. E eu gosto de pensar nas relações que podem surgir quando esse soco encontra alguém, isso as vezes dá até mais vontade de socar e ser socado. Talvez por eu ser atriz que tenha isso forte em mim mas não desisto dessa ideia: a gente sempre precisa do outro. É claro que isso tem seu lado B, né, que é a exposição, a crítica, opinião da família, blá blá. Em Parto, por exemplo, foi difícil pra mim saber que meus parentes estavam lendo aquilo. Eu pensava eles vão achar que é tudo verdade!!! Vão achar que sou uma pervertida ou que sou drogada, sei lá!!! Oh!! E é isso aí, tive que entender que eu não tenho o controle disso e que, de boa, seja como for essa troca eu prefiro que ela aconteça do que ela não aconteça. Eu gosto desse choque, dessa dúvida. Eu gosto dessa coisa que só se completa quando ela encontra o outro. Chega, já falei demais.

Quais são os/as poetas da atualidade/vivos/vivas que mais lhe tocam nesse momento?

Que estão vivos são alguns, que estão mortos muitos, mas vamos aos vivos:

Paloma Vidal, Angelica Freitas, Livia Feltre, Juliana Leite, Ana Peluso, Dora de Assis, Elena Ferrante, Ana Martins Marques, Valter Hugo Mãe e Carla Madeira.

O que você opina sobre as redes sociais como difusoras de arte? Colaboram de certa forma para a existência da poesia?

Acho ótimo, é relativamente democrático (somos reféns de algoritmos) e apesar das redes também serem um espaço de extrema vulnerabilidade também são espaço para criar correntes de apoio a artistas e experimentações mais descompromissadas, e isso é ótimo já que todo mundo acha que um livro deve ser uma obra prima e ponto. No instagram por exemplo todo mundo é poeta sem nem saber. Mas a verdade é que tenho um pouco de preguiça desse assunto redes sociais etc.

Nos últimos anos tivemos uma série de acontecimentos no Brasil (do fim da era Lula à ascensão da extrema direita) e também uma maior visibilidade aos movimentos de lutas sociais (feminista, LGBTQIA+, indígena, quilombola, anti-racistas…) — isso reverbera na sua criação literária?

Tudo reverbera. O medo pra mim é um companheiro constante ultimamente, isso não acho tão legal. Tenho medo de onde isso tudo vai chegar, tenho muito medo de acontecer uma intervenção militar e que nossos anos agora se assemelhem a ditadura e que eu olhe pro lado e veja meus amigos serem presos ou torturados por causa das coisas bonitas que escrevem. Mas eu acredito que esse medo também é força criativa, quer dizer, sinto que é meu trabalho usar esse medo como também uma ferramenta de trabalho, algo que borbulha.

O seu poema nasce de súpeto, como algo que golpeia e sai de uma maneira explosiva e rápida ou é um processo mais pausado e longo?

Eu escrevo quando sinto vontade de dizer. Não tenho métodos. Cada coisa que eu escrevo tem seu processo, eu gosto inclusive de desafiar minhas ideias, testar coisas novas, tempos novos, novos fluxos, novos dramas, novas músicas, nova ordem de colocar as coisas. Afinal de contas me sinto ainda muito nova para dizer de rotinas. Mas já adianto: não sou muito de análises psicológicas, prefiro agir.

Parto (editora Urutau, 2019)

O seu livro, Parto, como ele surgiu?

Por acaso. Eu vi o edital da Urutau na semana final para a inscrição e então desesperadamente juntei algumas coisas que consegui achar. Por isso decidi chamar de Parto: foi para mim como se eu estivesse grávida e não soubesse, como se o edital fosse a surpresa e aquela ansiedade será que esse filhe vinga? será que tem xoxota? piru? Eu não sabia de nada e recebi a notícia que havia sido selecionada. Chorei como uma mãe que quer um filhe. Por isso chamo as palavras que tem em Parto de filhas-poesias. Esse é meu primeiro livro e foi um acaso porque ele já vinha existindo muito antes sem eu nem suspeitar: pelo word do meu computador, meus cadernos, blocos de notas do celular, guardanapos rabiscados… Enfim. Os desacasos da vida. Os encontros. Destino?

Qual é o seu verso favorito do livro? Há alguma explicação?

“Eu tentei salvar o mundo e você mascava um trident.” Porque eu acho essa palavra muito boa trident. Tráidentch. Pena que é um chiclete de merda. E essa ação mascar um trident me interessa. Não sei exatamente mas sinto: me parece uma boa alegoria para o grande desinteresse nosso em mover algum dedo pra mudar alguma coisa que seja. Essa ação. Imagine. Um menino meio bosta mascando um trident. Deus me livre.

Como você conheceu a editora Urutau?

Comprei um livro da Urutau numa livraria e fui seguir no instagram para acompanhar, já que adoro ler poemas.

Alguma observação que queira acrescentar?

Não comam bichos. E escrevam sempre que puderem, escrever da uma sensação de poder boa, parece que dá pra controlar alguma coisa. Escrever me ensina sempre sobre o que são as nossas escolhas. É importante isso da gente pensar sobre nossas escolhas, sem psicologizar!!!!!! Escrever pra mim é AÇÃO. Por isso que me cura: é algo em movimento, que acontece enquanto faço, que me guia, me desafia, que imita, que é chato, que surpreende, que dá sono, que alegra, que é hilário, erótico, ousado, que pode ser qualquer coisa, e me emociona essa liberdade.

Isis Pessino

nascida em março do ano de 1997, é carioca e sempre morou no Grajaú, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Isis é atriz, começou a fazer teatro aos seis anos e desde então dedica sua vida à carreira. Hoje, ela trabalha com televisão, cinema e teatro, além de ser cofundadora do Coletivo Dupla de 3. Muito interessada por livros, a escrita sempre esteve presente em sua vida íntima, mas escrevia como que irresponsavelmente, vendo a escrita como uma ferramenta tão secreta que era assustador pensar em leva-la para o mundo. Nos últimos anos, porém, Isis estreou seu primeiro esquete como autora (“Do Fim Para Frente”) e ganhou o prêmio de melhor texto original no festival Niterói Em Cena, além de ter sido indicada ao prêmio de melhor texto original no FESTU Rio (Festival de Teatro Universitário).

Sua escrita é uma busca por palavras e composições que acessem sensações. Agora, com seu primeiro livro publicado, Isis abre sua pesquisa para mais uma camada de experiência: o encontro com o outro, partir para o mundo.

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