“Eu sou uma explosão que se realiza em palavras” — entrevista com Wilson Alves-Bezerra

editora Urutau
5 min readMay 2, 2020

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A 36ª de uma série de entrevistas com as/os poetas da editora Urutau

por Silvia Penas Estévez & nósOnça

Wilson Alves-Bezerra (São Paulo, 1977)

O que é poesia para você?

A poesia me tem sido muitas coisas ao longo da vida. Desde a primeira quadrinha escrita aos cinco anos, na solidão de um quarto da casa da minha família, em que ouvi ruídos estranhos, até a penúltima madrugada, quando escrevi um poema chamado O Sétimo Selo — a poesia está presente de muitas formas. O que tem em comum é que é sempre algo que me afeta.

Quando escreve, pensa em interlocutores? Sua escrita lhe afeta?

Quando escrevo eu penso na poesia. Escrevo para a poesia. Para o que há de humano na linguagem. Somos essa comunidade, de gente que partilha pela linguagem lírica o que não poderia ser dito ou feito de outra forma. Tem que afetar.

Quais são os/as poetas da atualidade/vivos/vivas que mais lhe tocam nesse momento?

Os poetas que me interessam estão sempre vivos: Alfonsina Storni, Herberto Helder, Charles Baudelaire, Hilda Hilst. Dessa gente jovem e contemporânea que escreve, me dá até vertigem citar, porque é mesmo muita gente, e eu incorreria na omissão de não citar tanta gente tão boa. Tem algo muito curioso que acontece: cada viagem para um evento de poesia a gente conhece uns quantos poetas imprescindíveis. Estou pensando nesse fenómeno comunitário da poesia.

O que você opina sobre as redes sociais como difusoras de arte? Colaboram de certa forma para a existência da poesia?

As redes sociais são um um veículo de circulação de poesia, como os muitos outros que há: livros, revistas, saraus, discos. Ela permite a gente ter um grupo organizado, o que facilita a partilha, e também tem o fenómeno da descoberta aleatória ser potencializado. Acho que a rede social ajuda também a soprar a poesia, para que ela possa chegar mais longe.

Nos últimos anos tivemos uma série de acontecimentos no Brasil (do fim da era Lula à ascensão da extrema direita) e também uma maior visibilidade aos movimentos de lutas sociais (feminista, LGBTQIA+, indígena, quilombola, anti-racistas...) — isso reverbera na sua criação literária?

Reverberar é pouco. Mudou o rumo de minha escrita. O ano de 2016, com o golpe parlamentar contra Dilma, impôs-se que dois livros meus fossem para a gaveta: Romã sem Rosto, um livro de poemas, e Manuscrito encontrado num Armário, um romance, que estava já em fase de edição pela Urutau. Decidi lançar O Pau do Brasil, 18 poemas escritos no calor da hora sob o impacto da abertura do processo de impeachment, que saiu pela Urutau, em junho daquele ano, com a presença e o apoio próximos do Tiago Rendelli, e que teve diversas reedições depois, sempre aumentadas, até a quinta e última, agora em 2020, já com uns 160 poemas. Depois desse projeto, dediquei outro ao atual momento, chamado Catecismo Moreninho, um disco virtual com sete poemas — autopublicado, em que a poesia continua exaltada e afetada pela fala dos que tomaram o poder. Lancei ainda um romance político — Vapor Barato (Iluminuras, 2018) e um outro livro de poemas, Malangue Malanga, tematizando na forma e no conteúdo o exílio. Eu acho que sem a crise política eu teria seguido com uma lírica mais surrealista, mas a monstruosidade de nossa realidade ditou outras vias.

O seu poema nasce de súpeto, como algo que golpeia e sai de uma maneira explosiva e rápida ou é um processo mais pausado e longo?

Eu sou uma explosão que se realiza em palavras.

O Pau do Brasil [quinta edição brasileira/segunda edição portuguesa] (Editora Urutau, 2020)

O seu livro, O Pau do Brasil, como ele surgiu?

O Pau do Brasil é um exemplo da explosão. Foram 18 poemas escritos ao longo de sete dias. Assistia a cobertura da mídia brasileira sobre a crise brasileira, e no dia específico do vazamento de um grampo ilegal de uma conversa de Lula e Dilma, divulgado pelo Sergio Moro na hora do Jornal Nacional, e comentado com fúria no rádio, eu senti uma espécie de dissociação. Foi quando percebi de todo que nada do que se dizia na mídia sobre aquele caso encontrava eco em mim. Era preciso outra voz, e essa voz teve que ser a minha mesmo. O Pau do Brasil e tudo o que escrevi de político depois, em todos os gêneros (conto, poesia, artigo, romance) nasceu daquela dissociação.

Qual é o seu verso favorito do livro? Há alguma explicação?

Não sei a extensão do verso num poema em prosa. Eu acho que no poema em prosa a gente não pensa de perto na dimensão do verso. E eu tenho péssima memória para minha poesia. Eu lembro de poemas, mas não de versos. De toda forma, me lembrei do início de um poema da primeira edição, e o copiei do livro: "As ruas estão desertas, estão cheias de pessoas, as ruas estão cheias de policiais, as ruas estão cheias de selfies e de ais, de bombas e de hinos nacionais." Gosto do ritmo, das rimas internas, nesta cena que mostra as primeiras manifestações da direita brasileira pela queda da presidenta Dilma.

Como você conheceu a editora Urutau?

Uma aluna e orientanda, poeta bissexta e hoje astróloga, Mariana Campos, me falou de você, Wlad. Era no tempo da editora Medita ainda, e da euOnça. Trocamos algumas mensagens. Eu era coordenador de cultura da UFSCar e convidei vocês para um sarau na Biblioteca Comunitária, acho que em 2013, no qual também estavam um grupo de teatro da cidade de São Carlos — Preto no Branco e o TRZ Trio. Depois convidei vocês a participarem comigo na Casa das Rosas, do evento de lançamento, em dezembro de 2014, do meu primeiro livro de contos, Histórias Zoofilas e Outras Atrocidades. Vocês lançaram o último número da euOnça e fizemos um sarau. Depois disso, acho que em 2015 foi que a Urutau surgiu, e no ano seguinte eu já estava publicando com vocês! Como disse, ia lançar um romance, mas O Pau do Brasil se impôs!

Alguma observação que queira acrescentar?

Espero que a Urutau tenha saúde e resiliência para atravessar a crise da pandemia, e que possamos fazer mais poesia juntos!

Wilson Alves-Bezerra

é brasileiro. Publicou livros: Histórias zoófilas e outras atrocidades (contos, EDUFSCar / Oitava Rima, 2013), Vertigens (poemas em prosa, Iluminuras. Brasil, 2015, que recebeu o Prêmio Jabuti 2016), Vapor Barato (Iluminuras, 2018), Malangue Malanga (Multinacional Cartonera, 2019). Em Portugal, publicou a antologia de poemas Exílio aos olhos, exílio às línguas (Oca, 2017) e, no Chile, Cuentos de zoofilia, memoria y muerte (LOM, 2018).

O projeto O Pau do Brasil começou a ser publicado em 2016, após o golpe parlamentar e, desde então vem sendo constantemente republicado, com novos poemas.

O autor tem publicado artigos e textos literários nos seguintes veículos: O Estado de S. Paulo, Revista Cult e A União (Brasil) e Revista Caliban (Portugal).

Trabalha duro, se cansa muito. Almeja correr uma maratona, mas só tem corrido meias. Sente que a vida está difícil no país e o ar cada vez mais irrespirável.

Está escrevendo um romance de ficção científica.

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