“ gosto de revelar detalhes bem pequenos das minhas vivências cotidiana” — entrevista com Maitê Rosa Alegretti

editora Urutau
7 min readNov 22, 2020

110ª de uma série de entrevistas com as/os poetas da editora Urutau

por Silvia Penas Estévez & nósOnça

Maitê Rosa Alegretti (Osasco, 1993)

O que é poesia para você?

A poesia foi, a princípio, a forma que encontrei de conhecer e organizar os meus pensamentos, os meus sentimentos e começar a tatear em busca de uma voz minha. Hoje em dia, a poesia tornou-se uma ponte mediadora entre o mundo pragmático e onde gostaria de estar, é onde posso vivenciar e experimentar novas possibilidades de vida e, consequentemente, de linguagem.

Quando escreve, pensa em interlocutores? Sua escrita lhe afeta?

Estou sempre pensando em interlocutores, por vezes são poemas de outros autores e/ou autoras, tento sempre estabelecer uma conversa com alguém que possa me ler. Tanto nas crônicas que escrevo, como na poesia, gosto de revelar detalhes bem pequenos das minhas vivências cotidianas, detalhes ínfimos que mais ninguém saberia, revelo um segredo sem o revelar, escondo e desvelo fatos banais, por vezes, surpreendentes, ao menos pra mim, a fim de que quem sabe tais fatos sejam interessantes para o outro também.

Posso dialogar com Calvino ou Drummond, mas também com um amigo, posso usar alguma palavra que alguém disse na rua, uma frase ou uma inteira interação. Existe um poema do Titubeio sobre várias espécies de plantas, brincando com a ideia de que o meu nome poderia ser um nome de planta, praticamente este poema foi tirado de uma conversa…

Quais são os/as poetas da atualidade/vivos/vivas que mais lhe
tocam nesse momento?

São vários os escritores e escritoras contemporâneos que leio e acompanho sempre, acredito que devo ao cenário da literatura atual brasileira a minha ousadia em começar a enviar os meus poemas para revistas, concursos e editoras. Acho que as produções de autoras e autores da minha idade, alguns mais jovens, começar a conhecer formas de publicação independentes, perceber que era possível sim publicar um livro foram fatores que contribuíram e contribuem para que eu continue com essa tal ousadia. Além disso, em tudo o que escrevo existe uma conversa com tudo aquilo que leio, alguns poemas do meu primeiro livro dialogam com a Hilda Hilst, Murilo Mendes e Chico Alvim, mas um diálogo com a Ana Martins Marques é evidente, assim como com Fabrício Corsaletti e a Laura Liuzzi.

Para além destes autores, cito: Mariana Marinho, Sofia Férres, Luana Claro, Anna Clara de Vitto, Mar Becker, Pedro Mohallem, Carol Policarpo, Viviane Nogueira, Mariana Correia, Julia de Souza, Yasmin Nigri, Camila Assad, Geruza Zelnys, Diego Pansani, Armando Martinelli, Heitor Ferraz, Aline Bei, Mariana Salomão, uma poeta italiana chamada Maria Borio, a prosa do Victor Heringer, o livro Sul da Verônia Stigger, Barba ensopada de sangue, do Daniel Galera, Com armas sonolentas da Carolina Saavedra…

Provavelmente, depois da entrevista lembrarei de mais outros tantos.

O que você opina sobre as redes sociais como difusoras de arte? Colaboram de certa forma para a existência da poesia?

As redes sociais ajudaram muito no meu desenvolvimento como escritora, no começo compartilhava poemas e textos com amigos, estes amigos comentavam, indicavam outros autores ou me encorajavam a continuar escrevendo. Ao longo dos anos, muitos comentários foram de extrema importância. Além disso, ter blog ativo também foi algo que sempre gostei, vejo como uma forma de começar a observar as imagens que uso, as progressões, as sequências de textos e a possibilidade de reescrever, estou sempre reescrevendo e reeditando. Atualmente o Instagram tem sido interessante para conhecer outros escritores e escritoras, gravar leituras, divulgar o Titubeio, conhecer novas pessoas, ter contato com quem adquiriu o livro, com que gostaria de ler, um viés muito produtivo das redes sociais é justamente este: de compartilhar, trocar, postar, ter feedbacks e estar sempre reeditando.

Nos últimos anos tivemos uma série de acontecimentos no Brasil
(do fim da era Lula à ascensão da extrema direita) e também uma
maior visibilidade aos movimentos de lutas sociais (feminista,
LGBTQIA+, indígena, quilombola, anti-racistas…) — isso
reverbera na sua criação literária?

Posso dizer que o cenário em que vivemos afeta a minha escrita e afetou o Titubeio pela fratura, a dificuldade de viver em um mundo fraturado, sobretudo, em como continuar a andar, a olhar para o céu, se é tão difícil estar e respirar dentro de um mundo avesso ao poeta. Certa vez, uma poeta da Urutau, Gyzelle Góes, disse que a minha poesia trazia esperança para ela, fiquei feliz pensando que não havia nunca pensado desta maneira, usando esta palavra, mas é algo interessante, estar no mundo para trazer de certa forma um pouco de esperança, uma ponte para um mundo sensível e metafórico. Talvez, isso seja o mais próximo de ter esperança atualmente.

O seu poema nasce de súpeto, como algo que golpeia e sai de uma
maneira explosiva e rápida ou é um processo mais pausado e longo?

Os meus poemas tanto nascem de supetão, quanto fazem parte de um processo. Quando estava escrevendo o Titubeio, e, percebi que poderia sim compor um livro, comecei a desenhar o que estava pensando, os desenhos continham: árvores, luzes, caules e instrumentos náuticos basicamente, esta organização ajudava a não perder o que eu ainda queria escrever, o que seria interessante ainda aprofundar ou compor. Por exemplo, os três primeiros poemas do Titubeio, estão todos encarrilhados, como se um continuasse o outro. O supetão aparece na feitura propriamente dita dos escritos, às vezes em transporte público, o que no período de pandemia também causa uma estranheza, não tenho mais este recurso… às vezes andando em casa penso em um verso, ou em outros momentos, em certas circunstâncias, inoportunos. Todavia, para o Titubeio tinha o hábito de escrever sempre depois de jantar, todos os dias um pouquinho, escrever e reescrever. Pode-se dizer que o supetão é um disfarce para todo uma arquitetação anterior.

Titubeio (editora Urutau,2020)

O seu livro, Titubeio, como ele surgiu?

O Titubeio surgiu basicamente no ano passado (2019), tudo o que escrevi antes foi uma espécie de experiência até conseguir chegar na ideia do livro. Basicamente, a primeira parte do livro intitulada também Titubeio surgiu de um processo de escrita muito veloz, mas a ideia era mapear os momentos oscilantes, de vacilos que eu tinha, crises de ansiedade, incertezas com trabalho, vida, tudo. Este mapeamento virou um percurso de um eu ao deparar-se, ao ver-se, ora como árvore, como planta ou criança. As outras partes do livro são continuações deste percurso, o eu procurando o outro, encontrando o outro e o final é uma autoavaliação, teria valido a pena tudo isso?

Mas na realidade, a segunda parte do livro “Observações Astronômicas” já estava comigo há um bom tempo, queria escrever sobre uma busca amorosa que seria mediada por instrumentos náuticos, pelas estrelas, como se fosse possível ver no céu/ou deixar no céu traços a serem encontrados, correspondências entre elementos humanos e náuticos/estelares, acho que fiquei um pouco obcecada com esta questão depois de montar algumas sequências de aulas para uma disciplina da licenciatura sobre simbolismo. Só que ano passado, vulgo 2019, consegui unir estes primeiros pensamentos e ordenar um processo de escrita muito profícuo e um pouco caótico. Na parte “Maré baixa”, acabei emprestando algumas ideias do que estava estudando na época, dolce stil novo, o reconhecimento dos amantes é a principal temática desta parte do livro…Foi bem interessante perceber como os poemas ligavam-se, abriam novas ideias, novas caminhos, o livro praticamente se escreveu, vamos dizer assim, sozinho.

Qual é o seu verso favorito do livro? Há alguma explicação?

Não sei se tenho um verso preferido, penso que é interessante reler o livro e perceber o quanto ele ainda revela e aponta para novos poemas ou escritos, acho que o Titubeio ainda tem muito a que me ensinar, principalmente em momentos em que é necessário continuar, de alguma forma, de algum jeito… continuar a escrever, a andar e/ou continuar a viver.

Para não dizer que não escolhi um, diria que o poema em que tento desvendar o porquê do voo de Ícaro ter acabado em um insucesso é um dos meus preferidos, acho que foi um dos poemas em que já escrevi pronto, o que não acontece sempre. Ou então, o verso que acrescentei na revisão de um poema que tem como imagem central uma clepsidra egípcia, lembro da Débora Rendelli (revisora do Titubeio) comentando que faltava algo, então, o verso acrescentado encaixou muito bem — eis o verso “enquanto neste invento de aferir o tempo” — só para ressaltar também a precisão de uma leitura atenta de um revisor.

Como você conheceu a editora Urutau?

Não sei responder direito, o que pode parecer um pouco maluco, mas é verdade, acredito que vi alguma postagem em algum grupo de cultura ou voltado para escritores uma chamada para publicação de poesia, curti a página, como se guardasse para ver depois. Este depois seria quando eu achasse que seria possível enviar algum original. Um ou dois anos depois, conheci diversos escritores que estavam publicando os seus primeiros livros pela Urutau, o que me motivou muito, pensando também que tive contato com tais obras, isto é, com o projeto gráfico e qualidade da editora.

Alguma observação que queira acrescentar?

Foi interessante repensar um pouco em como conheci a Urutau, em como organizei o livro, o processo de escrita, influências diretas e indiretas, interlocutores e o meu lugar como autora dentro de um mundo às avessas.

Maitê Rosa Alegretti

(Osasco, 16 de setembro de 1993) é escritora, italianista, professora e pesquisadora. Formou-se em Letras, com dupla habilitação em português e italiano pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais (USP) em 2018 e licenciou-se em português pela Faculdade de Educação (USP) no mesmo ano. Em 2017, foi finalista do prêmio Nascente (USP) na categoria poesia. Em 2019, participou como autora convidada no Sarau Leia Mulheres da Virada do Livro (Biblioteca Mário de Andrade), além de contar com alguns poemas publicados pela revista Ruído Manifesto, ter concedido uma entrevista para o projeto Como eu escrevo. Atualmente mantém um blog de poesias, crônicas e excertos atualizado com certa frequência em seu perfil Medium. Titubeio é seu livro de estreia.

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