“não se corrige o incorrigível voo das borboletas” — entrevista com Dimi Éter
A 19ª de uma série de entrevistas com as/os poetas da editora Urutau.
por Silvia Penas Estévez
A poesia é uma forma de ver o mundo?
Acredito que a poesia é uma forma de olhar. Ver, qualquer um pode ver, assim como os pontos de vista, todo mundo tem um. Poesia é um outro olhar.
Quando escreves, pensas em alguma leitora/leitor imaginária/o? Se vês afectado por aquilo que escreves?
Não penso em nenhum leitor em particular ou imaginário. Sinto-me afetado antes de ter escrito, não depois. Depois, o texto já está ali e a sensação é de que a poesia passou por aqui e ajudei a cumprir o ritual.
Achas que há leitores de poesia ou só os poetas se lêem entre si?
Acho que há menos leitores do que eu gostaria. Isso é fruto das políticas de consumo do mercado que considera a poesia subversiva. Vejo com bons olhos o fato de os poetas lerem-se entre si, assim a tocha permanece acesa.
Que opinas sobre as redes sociais como difusoras de arte, recitais etc.?
Sempre achei que é um caminho natural e necessário. Penso que as artes, particularmente a poesia, deve se entranhar nas estruturas e ferramentas existentes. Cultivo um blog de poesia desde 2010 e publico poemas em redes sociais.
O teu poema nasce de súpeto, como algo que golpeia e sai de uma maneira explosiva e rápida ou é um processo mais pausado e longo?
Meu processo criativo não tem regras. Alguns poemas saem prontos, outros, a maioria, me causam doces problemas, onde tenho que transpirar para encontrar a palavra e o jeito certo de construí-los. Não acredito em inspiração pura e simplesmente. Gosto mais do trabalho de dedicação do poeta.
Este livro, Triptease, como surgiu?
O livro TRIPSTEASE surgiu da necessidade de se fazer um líbelo, um manifesto contra tudo o que é careta e picareta nesta década que se encerra. Ele é a antítese das fake-news, dos golpes políticos e sociais promovidos pela direita neoliberal e ultra-direita. Ele é contra as crenças de que a terra é plana e que não necessitamos de vacinas. É contra a homofobia, a misoginia e demais absurdos.
A palavra “tripstease” é uma brincadeira, um trocadilho com a expressão inglesa “striptease”, portanto para mim, significa desnudar a viagem, botar tudo a nu, em pratos limpos, descartar tudo que não precisamos ou necessitamos, nesses tempos de pós-verdade.
Qual é o teu verso favorito do livro (transcreve-lo, por favor)? Poderias explicar o porque ele é o teu verso favorito?
Meu verso favorito é: “não se corrige o incorrigível voo das borboletas”.
Gosto deste verso em primeiro lugar, pelas imagens das borboletas, que paradas já são lindas, voando são sublimes.
Em segundo lugar porque é a síntese de tudo que quis dizer no livro, ou seja, não se apaga a verdade com mentiras que hoje chamam de pós-verdade e ainda querem que acreditemos.
Como conheceste a Editora Urutau?
Conheci a editora Urutau exatamente no facebook, invadindo brilhantemente as redes sociais.
Alguma observação que queiras acrescentar?
Quero acrescentar que desejo longa vida à Urutau, tanto pela iniciativa, quanto por acreditar na poesia.
Prevejo que à partir de agora, com o mundo em pandemia, é possível que a poesia seja vista, não mais como a prima pobre da literatura, mas sim como um patrimônio inalienável da humanidade, como a água, o ar e os bens de necessidade.
Para isso, precisamos de editores antenados e os chamados “antenas da raça”, os poetas, mais antenados ainda. Pois a poesia trancende a escrita e os livros, ela deve estar presente em nossas vidas.
Dimi Éter
é poeta e músico nas horas plenas. Em 2011 lançou o livro Eróticos Anônimos (edição do autor). Também já foi bancário, cameraman, assessor de imprensa e produtor cultural. Atualmente é DJ. Estudou Rádio e TV, mas não concluiu o curso. Leitor ativo de poesia, frequenta este terreno percorrendo desde Homero até os poetas contemporâneos. Fã da poesia concreta, embora não a pratique, considera de fundamental importância o conhecimento dos ensaios e traduções poéticas do grupo Noigandres.