“O mesmo corpo que se sente tocado pelos acontecimentos, seja nas suas feridas, seja nos seus pontos de força, é o corpo que escreve” — entrevista com Eduarda Vaz

editora Urutau
4 min readJun 13, 2020

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A 78ª de uma série de entrevistas com as/os poetas da editora Urutau

por Silvia Penas Estévez & nósOnça

Eduarda Vaz (Volta Redonda, 1997)

O que é poesia para você?

Poesia é a maneira como eu sinto o mundo, seja lendo aquilo que vem de outros, seja escrevendo as minhas próprias impressões. Sinto que a poesia me aproxima verdadeiramente de mim, me permitindo um momento de silêncio para questionar, para entender e desentender, para descobrir o que parece nebuloso. Além disso, é uma porta de conexão, graças a ela pude estreitar vínculos com pessoas queridas e criar novos.

Quando escreve, pensa em interlocutores? Sua escrita lhe afeta?

Sim! Acho que sempre escrevemos tendo em mente que alguém vai ler, como uma esperança suficiente para levar aquele texto até o último verso, sem se prender pela insegurança da qualidade dele ou não. Imaginar interlocutores é ter um motor e é estabelecer um diálogo, ainda que seja eu mesma a leitora em um dia futuro. Pensando nisso, ela me afeta bastante, porque eu me vejo, seja distorcida ou refletida, nos poemas.

Quais são os/as poetas da atualidade/vivos/vivas que mais lhe tocam nesse momento?

Quando eu me descobri querendo ser escritora, comecei a ler mais mulheres ao ponto que houve uma época em que apenas lia mulheres, então, nessa minha lista só haverá mulheres. É uma questão de identificação e por acompanhar o trabalho continuamente: Ana Martins Marques, Adília Lopes, Matilde Campilho, Danielle Magalhães, Maíra Ferreira, Natasha Felix, Aline Nobre, Taís Bravo, Cecília Floresta, Annita Costa Malufe, Maria Isabel Iorio, Magali Alabau, Maya Islas. Eu poderia fazer uma lista eterna.

O que você opina sobre as redes sociais como difusoras de arte? Colaboram de certa forma para a existência da poesia?

Para mim, as redes sociais são uma galeria aberta e gratuita, com possibilidade direta de trocar com quem expõe (e se expõe conjuntamente). Além da difusão com uma potencialidade de alcance a diferentes pessoas, as redes operam novas configurações de criação. O poema sai do só papel e pode ser voz, corpo, imagem, colagem, colaboração ativa, projeção e o que mais der na telha de quem se arrisca a inventar.

Nos últimos anos tivemos uma série de acontecimentos no Brasil (do fim da era Lula à ascensão da extrema direita) e também uma maior visibilidade aos movimentos de lutas sociais (feminista, LGBTQIA+, indígena, quilombola, anti-racistas…) — isso reverbera na sua criação literária?

Sim, com toda certeza. O mesmo corpo que se sente tocado pelos acontecimentos, seja nas suas feridas, seja nos seus pontos de força, é o corpo que escreve. De forma explícita ou não, as narrativas do hoje, que vêm de um ontem, são as linhas para tecer os poemas.

O seu poema nasce de súpeto, como algo que golpeia e sai de uma maneira explosiva e rápida ou é um processo mais pausado e longo?

Não sei direito essa resposta, depende bastante. Há versos que nascem do súpeto e eu anoto onde dá (ou me envio um áudio no Whatsapp com ele), mas que só vão virar um poema mesmo mais tarde, com pausa, leitura, opinião de leitores amigos. Há poemas que vêm inteiros — não é sempre, mas fazem visitas. Quando sinto que me demoro muito em um por insatisfação, respeito que não vai acontecer e o deixo.

Sussurro: cantos de chuva — Carolina Quintella & Eduarda Vaz (editora Urutau, 2019)

O seu livro, Sussurro: cantos de chuva, como ele surgiu?

Surgiu de um convite inusitado e de uma parceria muito linda e entregue. Sussurro: cantos de chuva foi escrito por mim e por Carolina Quintella através de uma “correspondência” guiada de poemas. A princípio não sabíamos muito bem sobre o que iríamos escrever e resolvemos cada uma fazer um poema, enviar para outra e pensar em uma resposta para os específicos poemas. E não sabíamos muito bem sobre o que escrever porque, como disse, foi um convite inusitado com um aceite também inusitado. Soube da chamada da Urutau e propus despretensiosamente à Carol produzir um livro para submetermos, estávamos na época escrevendo textos para um outro projeto, Coral (idealizado por ela) e, por isso, me veio a ideia de fazermos juntas um livro. Eu não imaginava que ela aceitaria, até porque faltavam poucos dias, mas ela aceitou. Nós duas mergulhamos numa experiência muito criativa e nutritiva, entendendo o livro conforme ele ia sendo escrito e, assim, nasceu esse sussurro.

Qual é o seu verso favorito do livro? Há alguma explicação?

São dois (mentira, são mais, mas vou fingir que são dois): “sabemos que o ‘nós’ só surge depois da colisão” e “(conversas: cômodos claros)”. Para mim, eles simbolizam o que foi o processo de escrita de “Sussurro”.

(conversas: cômodos claros)

Como você conheceu a editora Urutau?

Eu conheci através das redes sociais em 2018. Lembro de que me apareceu no Facebook o anúncio da chamada de originais de poesia. Comecei a seguir e, logo depois, uma amiga escritora e da mesma faculdade que a minha publicou seu livro. A partir de então, acompanhei o trabalho mais de perto e me encantei, é claro!

Eduarda Vaz

é poeta, professora e revisora. Acredita que a voz, quando se faz palavra, dança. Por isso, escreve. Publicou o livro Aresta (Macabéa Edições, 2017), além de outros poemas em revistas como mallarmargens, Gueto, Lavoura, Odara e Zzzumbido. É vencedora, na categoria Poeta, do Prêmio Olho Vivo 2018 e homenageada no Prêmio Maria José Maldonado de Literatura 2017. Licenciou-se em Letras: Português/Espanhol pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

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