“o mundo acorda e eu morro/mas você não morre em mim” — entrevista com Gyzelle Almeida de Araújo Góes
A 87ª de uma série de entrevistas com as/os poetas da editora Urutau
por Silvia Penas Estévez & nósOnça
O que é poesia para você?
Árduo. Complicado poder responder essa pergunta sem trair a poesia, pra mim é tudo e tudo é tanto que seria desleal esquecer de algo e decerto seria negligente. Mas eu não quero fugir disso, de certo modo, se tivesse que escolher — agora — uma palavra seria: redenção;
Quando escreve, pensa em interlocutores? Sua escrita lhe afeta?
Olha, eu sempre penso além de mim, até quando escrevo pensando em mim, digamos como um espelho voltado para a paisagem. Já ocorreu um episódio da minha vida de ter paixão platônica por um carteiro e escrever por volta de centenas cartas nunca entregues, ou de outra paixão irreal por um personagem dos meus poemas, etc etc. Sim, sempre me afeta, me fere, me assombra, me assopra, me salva (…)
Quais são os/as poetas da atualidade/vivos/vivas que mais lhe tocam nesse momento?
São bastantes. Quando comecei a ler poemas, comprava em sebos livros dos mortos. Poetas vívidos, mas que não estavam mais ativos, em sua grande parte. Depois eu comecei a conhecer poetas pelo blog e foi o meu canal mais direto com a poesia cotidiana, em sua maioria desconhecidos até pelo signo de “poeta”, e eu mal sabia seus sobrenomes além de Tábita, Marcella, Helen, Fernanda, João. Fiz letras, trabalhei em uma livraria e fui conhecendo mais e mais de poesia e hoje em dia, apesar de que ainda continuo trabalhando através dos mortos, com acervos pessoais na área de arquivo, em um museu, pesquiso poesia contemporânea. Li as entrevistas anteriores e não queria me repetir. Gostaria de usar esse lugar para citar poetas que me tocaram a leitura e contato da editora Urutau, visto a potência que há no trabalho que vocês têm feito conosco. Tenho muito carinho pela vida e poesia de Cintia Luando, pelos sussurros de Carolina Quintella e de Eduarda Vaz, pelo transbordamento de Gil t. Sousa, pelo trabalho poético de Leonardo Marona, pelo engajamento editorial e poético de Tiago Fabris Rendelli, pela poesia gesto corporal recém lançado de Mar Becker e pela esperança de Maitê Rosa Alegretti.
O que você opina sobre as redes sociais como difusoras de arte? Colaboram de certa forma para a existência da poesia?
A poesia sempre irá existir/sempre existiu. Que não pensemos que a tecnologia pode descartar livrarias, museus, bibliotecas, escolas etc. No entanto, acredito que as redes sociais possibilitam a propagação/divulgação das vozes, então colaboram para que a poesia ganhe espaço além dos livros/papéis.
Nos últimos anos tivemos uma série de acontecimentos no Brasil (do fim da era Lula à ascensão da extrema direita) e também uma maior visibilidade aos movimentos de lutas sociais (feminista, LGBTQIA+, indígena, quilombola, anti-racistas…) — isso reverbera na sua criação literária?
Certamente. Poesia é vida (complementando a resposta da primeira pergunta) vida é política. Não há como dissociar, ainda que falemos de gozo, amor. Todos os manifestos que ocorrem no mundo e no Brasil afetam o teor poético em sua matéria, em seu instinto. Acredito que a visibilidade dos grupos, das lutas, dos anseios, dão força e sensibilidade à poesia e eu sou parte disso.
O seu poema nasce de súpeto, como algo que golpeia e sai de uma maneira explosiva e rápida ou é um processo mais pausado e longo?
Ah, a poesia escorre de mim (e eu poderia fazer metáforas infindas a isso). Conhecei a escrever poemas sem ainda ter lido poemas, e nem me lembro quando foi mas sei que é, que existe em mim poesia assim como escorre água de uma fonte ágil e ensimesmada.
O seu livro, Amante, como ele surgiu?
Bom, eu tenho muitos poemas guardados, escrevo por necessidade de existir e para não me distanciar dos meus deslizes. Ano passado decidi que era hora de parir, juntei os meus poemas Amantes e cá estamos.
O processo de composição do livro é passado através de prazeres, de uma brincadeira de falar de amar e de vir a ser e sentir e de tudo o que a linguagem não tange, mas que range o susto arrepio, é um tanto disso. Há também a peraltagem de aludir à frase final do conto de Clarice Lispector em Felicidade Clandestina:
“Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante.”
Qual é o seu verso favorito do livro? Há alguma explicação?
Nossa, eu sou suspeita a dizer, mas são um bocado. É simples pelo fato de que os tenho boa parte na cabeça, então acabam por se tornar muito mais meus, além de que considero ter uma linguagem “minha” e isso acaba tornando algumas expressões singulares, o que valeria a pena reviver. Mas acho que é o seguinte: “o mundo acorda e eu morro/mas você não morre em mim”. Explicar seria acabar com o mistério rs.
Como você conheceu a editora Urutau?
Faz tempo que me interesso por editoras independentes, principalmente pelo meu processo de aceitação de entrar nesse circuito de publicações. Mas a primeira vez que vi a primeira capa da editora foi de Água Forte de Gil T. Sousa, senti o mar aberto em meus olhos, senti que estava ali dentro, e era terra firme, e dali minha ternura foi se intensificando e aqui estamos.
Alguma observação que queira acrescentar?
Quero agradecer o convite do artista Wladimir Vaz, pela atenção de vocês. Evoé.
Gyzelle Almeida de Araújo Góes
natural do Rio de Janeiro, docente, graduanda em literatura pela PUC-RIO, vívida em poesia. Trabalhou em floricultura, livraria, editora de psicologia, museu, escola, levando o poema à boca. Amante dos livros.