“Poesia nunca foi e nunca será demais” — entrevista com Fernanda Seavon
104ª de uma série de entrevistas com as/os poetas da editora Urutau
por Silvia Penas Estévez & nósOnça
O que é poesia para você?
Poesia é se encantar. É estar atenta e aberta às surpresas diárias. A poesia tem sido, para mim, uma maneira de prestar atenção no mundo, de ver as camadas escondidas que estão em todas as esquinas. Mas não só isso. Poesia é também encontro. Esses dias, brinquei com a minha mãe que a nossa relação era o maior poema na minha vida. Rimos, mas, de certo ângulo, é verdade.
Quando escreve, pensa em interlocutores? Sua escrita lhe afeta?
Às vezes as pessoas têm rosto, às vezes não. Já escrevi cartas de amor a desconhecidos e reservei silêncios a nomes familiares. Acho que penso mais em sensações do que em interlocutores. Quando escrevo, sempre tenho a sensação de que eu encontrei um segredo e quero compartilhá-lo, mas não só isso, quero que esse “momento de beleza” persista, que ele vire algo novo, algo inusitado. E, claro, isso afeta a minha escrita. Afeta porque pressupõe um encontro, uma colisão, um sussurro que seja, pressupõe alguém do outro lado, alguém que também esteja disposto a reinventar.
Quais são os/as poetas da atualidade/vivos/vivas que mais lhe
tocam nesse momento?
Ah, são muitas. Matilde Campilho, Marilia Garcia, Laura Liuzzi, Julia de Souza, Ana Guadalupe, Ana Martins Marques, Ana Carolina Assis, Patrícia Lino… A lista é longa! Eu estou sempre de olho na escamandro para ver coisas novas e me inspirar.
O que você opina sobre as redes sociais como difusoras de arte?
Colaboram de certa forma para a existência da poesia?
Acho que todo espaço é válido — especialmente para espalhar poesia. Sei que há muitas críticas relacionadas à “poesia-pra-post”, mas amo como as redes possibilitaram novas vozes dentro e fora da literatura. Poesia nunca foi e nunca será demais. Tem um poema da Szymborska que vai assim: “… Prefiro o ridículo de escrever poemas / ao ridículo de não escrevê-los”. É isso. Eu também.
Nos últimos anos tivemos uma série de acontecimentos no Brasil
(do fim da era Lula à ascensão da extrema direita) e também uma
maior visibilidade aos movimentos de lutas sociais (feminista,
LGBTQIA+, indígena, quilombola, anti-racistas…) — isso
reverbera na sua criação literária?
Reverbera de forma sutil e, por muito tempo, isso me incomodou. Eu achava que a minha escrita deveria ser mais política, mais engajada, que ela deveria propor novas janelas às lutas sociais. Com o tempo, fui aceitando que a literatura não é o meu jeito de me posicionar politicamente. Faço isso nas ruas, em conversas com amigos, no jeito de me relacionar com as pessoas. À página, reservo o espanto com o que há de bonito no mundo.
O seu poema nasce de súpeto, como algo que golpeia e sai de uma
maneira explosiva e rápida ou é um processo mais pausado e longo?
Eu vejo minha escrita como um quebra-cabeça. Vou anotando impressões ou versos e depois junto as coisas que fazem sentido. Faço isso em qualquer lugar: cadernos, bloco de notas, páginas de outros livros… por aí vai! Às vezes uma ideia fica comigo por meses, às vezes basta dez minutos para terminar um poema. Gosto desse ritmo natural que as coisas vão adquirindo e não mudaria nada. Tem uma frase do Rilke bem bonita: “Seja paciente com tudo o que não está resolvido em seu coração e tente amar as próprias perguntas, como salas trancadas e livros que agora são escritos em uma língua muito estrangeira. Não busque as respostas que não podem ser dadas porque você não seria capaz de vivê-las. E a questão é viver tudo. Viva as perguntas agora. Talvez você vá então gradualmente, sem perceber, viver a resposta”. Gosto de relacionar meu processo a essa frase, a “resposta”, ou, nos nossos termos, “o poema” é fruto do tempo.
O seu livro, Como se todas as janelas tivessem seu nome, como ele surgiu?
Um pouco na linha da questão anterior, ele é efeito do tempo, surgiu de uma mistura. Foram muitas anotações, devaneios, sonhos, frustrações, medos, vish, realmente tem um pouco de tudo — escrito entre 2015 e 2020. Eu quis brincar com a noção de janela porque realmente acredito que a poesia está na abertura a novas paisagens.
Qual é o seu verso favorito do livro? Há alguma explicação?
Gosto muito de “o contorno é discreto / desses que se olha pela segunda vez”. Acho que poesia é isso, um convite a descansar o olhar sobre a vida.
Como você conheceu a editora Urutau?
Acompanhando o trabalho de poetas contemporâneos.
Alguma observação que queira acrescentar?
Sim. Se você está lendo isso e chegou até aqui, por favor olhe em volta e procure se espantar com o familiar. Estou cada vez mais convencida que podemos criar outras narrativas coletivas e acho que isso começa nos detalhes, nos “momentos menores”. Acho incrível que algumas pessoas passam a vida sem escrever um poema, então faço aqui esse convite. Vou me arriscar à la Yoko Ono: Abra seu caderno, seu celular, qualquer coisa que esteja ao alcance e escreva um segredo.
Fernanda Seavon
é poeta, jornalista e fotógrafa. Publicou contrações (Patuá, 2017) e tem uma newsletter de poesia, Arquivo X.