“uma palavra com mil e uma definições” entrevista com Andrea Tavares de Sousa

editora Urutau
7 min readFeb 17, 2021

114ª de uma série de entrevistas com as/os poetas da editora Urutau

por Silvia Penas Estévez & nósOnça

Andrea Tavares de Sousa (Assomada, Cabo Verde)

O que é poesia para você?

Poesia para mim, é uma palavra com mil e uma definições. Mas, entre tantas elas, tenho a certeza que poesia é a liberdade da alma e do coração, é uma arma que combate e ganha todas as batalhas, é um medicamento que cura a tristeza e a solidão. Resumindo, poesia é o ar que respiro cada dia.

Quando escreve, pensa em interlocutores? Sua escrita lhe afeta?

Não, diretamente não penso nos interlocutores quando escrevo, pois, deixo a minha pluma e a minha imaginação me guiarem. Eu acho que isso faz com que os interlocutores apreciam mais a minha escrita, porque acabam sempre por descobrir algum elemento surpresa e a sensibilidade de uma forma bem versátil, assim como sentimentos novos, sejam eles de alegria, sensualidade, nostalgia, tristeza, etc.

Quais são os/as poetas da atualidade/vivos/vivas que mais lhe tocam nesse momento? Por favor, nos indique alguns poetas cabo-verdianos.

Os poetas caboverdianos de atualidade que mais me tocam Nesse momento são:

Ailton Moreira, um grande poeta, mesmo sendo jovem, mas um grande defensor da língua Caboverdiana, autor do livro de poesia Pingu di speransa, feita completamente em língua Caboverdiana e claro refletindo a realidade do nosso país.

Mario Loff, poeta, amigo, co-autor comigo no livro Poetas para o ano novo II com o qual ganhamos o prémio na vossa editora, autor de vários contos, acabou de publicar um novo livro de conto O rapto da primeira dama.

Manuel Veiga, escritor e linguista Caboverdiano, autor de vários livros gramaticais da língua Caboverdiana, autor do romance Odju d’agu, o melhor livro em língua Caboverdiana que já li em 2019, ele também é autor da proposta da versão para a oficialização da Língua Caboverdiana — ALUPEC.

Agueda Lopes/ pseudónimo Vanny Kaya Lopez, jovem poetisa cabo-verdiana, co-autora juntamente comigo e outros poetas em várias obras antológicas tais como: Mulheres e Seus Destinos, Pandemia das Palavras, Universo Poético, Letras ao Vento, Love in Summer, The Cyclone Will End e várias outras revistas literárias internacionais. Uma escritora muito sensível e de mão cheia, que prepara neste momento um livro a solo completamente na língua Caboverdiana.

Admiro alguns poetas internacionais que participaram na obra Sangue, editada pela vossa editora onde pude dar a minha contribuição também. Elas são: Maria Martins Vasconcelos, Kalina Paiva e Neusi Oliveira.

Mas falar de autores que me inspiram profundamente e de quem eu bebo na fonte para enriquecer o meu mundo poético, existem vários, mas, a maioria deles já não se encontram fisicamente entre nós, por exemplo: Camões, Aimé Cesaire, Guillaume Appolinaire, David Diop, Charles Baudelaire. E os caboverdianos: Eugénio Tavares, Káká Barbosa, entre outros.

Você é uma poeta cabo-verdiana que vive na França, o fato de ser estrangeira reverbera na sua criação literária?

O fato de eu ser estrangeira não é um ponto negativo que incide na minha criação literária, mas muito pelo contrário, eu me inspiro disso. Descobri, que é uma outra maneira de enriquecer o meu mundo poético, pois a França assim como vários outros países da Europa é um país recheado de grandes escritores e poetas que inspiram muito a geração contemporânea, por exemplo: Charles Baudelaire, Guillaume Appolinaire, Arthur Rimbaud, Victor Hugo etc. Através da leitura das obras de ditos escritores, descobri a beleza e a magia da poesia e da escrita de uma forma diferente, ao que já estava acostumada. Então é de salientar que mesmo num país que não é meu, eu procuro me adaptar a nível, cultural, social, e, por conseguinte, linguístico, e inspirar da magia, da beleza e do novo que me circunda. França é o país onde eu escolhi para viver, respeito e aprecio muito o que me tem aportado como escritora, mesmo sabendo que não me retira o laço que me mantem ligada à minha terra natal, que é e será eternamente a minha minha maior fonte de inspiração. É de salientar que estando longe essa separação é uma das forças que me empurra e me banha de inspiração para escrever e aliviar a saudade. Sou Caboverdiana sim, mas sinto também, que França faz parte de mim, já que a minha outra metade, incluindo a minha família é francesa e isso faz com que eu carrego tudo em mim, assim como na minha escrita. E tenho a certeza de que onde quer que eu esteja, não importa o país, hei de me inspirar e escrever sempre e transmitir ao mundo a minha essência de poeta.

O seu poema nasce de súpeto, como algo que golpeia e sai de uma maneira explosiva e rápida ou é um processo mais pausado e longo?

Ás vezes o meu poema nasce de repente e de maneira explosiva, às vezes vem devagarinho e calmo, dependendo do contexto, da situação e do espaço onde eu me encontrar. O sentido de humor conta muito no que diz respeito as minhas inspirações, mas muitas vezes, os meus poemas chegam e me golpeiam com tanta força, pois eu me considero uma pessoa muita sensível, e me preocupo muito com os que me rodeiam. É dizer que me inspiro muito nos sentimentos que as pessoas transmitem, sejam eles tristes ou alegres, me convidam sempre a deixar marcas registadas no papel.

N kre ser pueta (Puezia na kriolu kabuverdianu) (editora Urutau,2020)

O seu livro, N kre ser pueta (Puezia na kriolu kabuverdianu), como ele surgiu?

Desde criança eu já queria ser poetisa, para mim era um sonho, mesmo sem saber bem o que significava essa palavra tão grande. Desde pequena eu gostava muito de ler, de escrever e a poesia era o género que mais me tocava com a sua magia, beleza, sensibilidade e emoção. Eu brincava sempre com as escritas, mas a partir dos meus 14 anos, comecei a escrever mais a sério e eram poemas em português, já que era a língua oficial em Cabo Verde e era usada em todas as formas de educação escolar. Já em França, longe da minha terra, senti essa vontade de exprimir na minha língua materna tudo que sentia e de uma maneira explosiva. A partir do ano 2017, focalizei muito mais nas minhas escritas e aí me dei conta que já tinha tantos poemas escritos em língua Caboverdiana acumulados, que poderia fazer um ou vários livros. Decidi que queria partilhar com o mundo exterior, tudo o que eu tinha, e inspirar os jovens Caboverdianos, principalmente da diáspora que demostravam e ainda demonstram uma sede enorme de conhecer mais a nossa língua materna. Eu já que tenha uma experiência vivida na minha terra, guardo comigo as recordações, a cultura e a tradição de uma forma que poderia dar a conhecer aos outros através das minhas obras. E eu me questionei que tal fazer isso de uma forma imortalizada num livro com 100 poemas totalmente escritos em língua Caboverdiana. Sonhei, e hoje esse sonho tornou-se realidade.

Qual é o seu verso favorito do livro? Há alguma explicação?

Uma pergunta difícil de responder porque, posso dizer que gosto de todos os poemas que fazem parte deste livro, uma vez que compreendem uma seleção especial, mas posso fazer ênfase no meu poema favorito que tem como título “Nha Maior Dizeju” (o meu maior desejo), o qual nos presentea com a seguinte estrofe: “Nha maior dizeju, e di rega planta di nha jardin, pa N odja-l ta kiria ti k’e flora, ta sukudi na bentu, flor ta kai pa otu rabenta.” (O meu maior desejo é de regar as plantas do meu jardim, de vê-las crescerem e florescerem, de vê-las bailarem no vento e com o tempo ver renascer através delas outros rebentos). Esse poema fala do que mais desejo nesse mundo, a felicidade das minhas filhas, as plantas e flores que embelezam o meu jardim, e de que eu gostaria de viver muito tempo para poder aproveitar de cada instante com elas, ter netos e mesmo bisnetos. Elas são as verdadeiras pedras preciosas da minha vida.

Como você conheceu a editora Urutau?

Eu já tinha cruzado em algumas ocasiões com publicações da Editora nas redes sociais, mas conheci a Editora Urutau mesmo, depois da concretização do concurso de poesia, organizado pela Associação Txom Poesia, em Cabo Verde São Vicente — Mindelo, no ano 2018/ 2019. O livro Poetas Para o Ano Novo II escrito por mim e o poeta Mario Loff, foi nomeado vencedor do concurso, e a partir de aí fui me informando quem era a editora do nosso livro e acabei deparando mais de frente com a Urutau. Desde então comecei a pesquisar sobre a editora de uma forma mais profunda, entrei em contato com ela, a resposta foi imediata e daí as conexões e trocas só aumentaram até agora. Ouvir falar da editora pela primeira vez, pela boca do senhor José Pinto, quem era um dos membros do jurado durante o dito concurso, e logo depois, também com Wladimir Vaz, que também era membro do jurado, e um dos atuais profissionais da editora e com quem mais tarde tive e ainda tenho o prazer de trocar palavras e assuntos relacionados com o trabalho da editora, e não é para menos, esta entrevista é mais uma prova disso.

Alguma observação que queira acrescentar?

Sinto-me honrada e privilegiada de ter-me encontrado com a Editora Urutau, desde já aproveito para agradecer pelo fato da editora contribuir imensamente para o meu crescimento enquanto poeta e escritora. Espero que a nossa caminhada seja por muito tempo e que venham novos projetos frutíferos, pois, tenho ainda 5 a 6 livros na gaveta a espera para serem editados, claro nos seus devidos tempos. Também quero salientar que estou muitíssimo satisfeita com o trabalho feito, tanto honesto como profissional da editora, em particular, Wladimir Vaz. Agradeço muito pelo profissionalismo, e conto estar por perto sempre. Não hesitarei mesmo, em recomendar a editora aos amigos e escritores sonhadores de espalhar ao mundo o que lhes vão na alma.

--

--