“Uma tentativa de tradução em palavra daquilo para que não existe palavra” — entrevista com Isabela Sancho
A 43ª de uma série de entrevistas com as/os poetas da editora Urutau
por Silvia Penas Estévez & nósOnça
O que é poesia para você?
Uma tentativa de tradução em palavra daquilo para que não existe palavra.
Quando escreve, pensa em interlocutores? Sua escrita lhe afeta?
Não penso em interlocutores enquanto escrevo, mas percebo a interlocução quando leio, a eles e a mim, depois.
Quais são os/as poetas da atualidade/vivos/vivas que mais lhe tocam nesse momento?
Mariana Ianelli.
O que você opina sobre as redes sociais como difusoras de arte? Colaboram de certa forma para a existência da poesia?
Se calibradas com inteligência, as redes sociais podem ser um recurso interessantíssimo para difundir, consumir a arte, a poesia, expandindo o seu alcance. Ligam os pontos do mundo, configuram nossa constelação de poetas e leitores.
Nos últimos anos tivemos uma série de acontecimentos no Brasil (do fim da era Lula à ascensão da extrema direita) e também uma maior visibilidade aos movimentos de lutas sociais (feminista, LGBTQIA+, indígena, quilombola, anti-racistas…) — isso reverbera na sua criação literária?
Meus conflitos íntimos com o autoritarismo, com o cerceamento e o silenciamento por ser mulher são estreitos, fazem parte da minha história originária, anterior aos acontecimentos dos últimos anos no país. Então, quando os retrocessos vêm à tona, assim dilatados, na escala nacional de um esmagamento de minorias, me atingem com uma vertigem assustadoramente familiar, mas também a estouram em amplitudes muito mais bárbaras do que as que conheci. Então sim, me afetam, me convocam, reverberam no que faço. Às vezes de maneira mais explícita, às vezes de modo cifrado.
O seu poema nasce de súpeto, como algo que golpeia e sai de uma maneira explosiva e rápida ou é um processo mais pausado e longo?
Acontecem-me as duas coisas. As imagens me atingem assim, sempre “de súpeto”. A partir delas, há poemas que vêm num fluxo rápido, mas são mais raros. No geral, passo muito tempo me relacionando com as imagens antes de escrever. Esboço-as em pensamentos, desenhos e palavras. Há algumas que surgiram há quinze anos, eu as persigo, as tento, até agora não me satisfizeram. De todo modo, quando enfim tenho uma primeira versão de um poema, ainda passarei um bom tempo hesitando entre micropalavras e pontuações até me decidir. Até me cansar dele, que é quando fica pronto.
O seu livro, Monstera, como ele surgiu?
Ao longo de um ano escrevi poemas conforme iam me ocorrendo. Aos poucos, fui percebendo que estava escrevendo sobre imagens de uma natureza implacável, quase sádica. Então vieram os poemas com imagens humanas, de um feminino bélico, que tampouco quer ser bom. É o reconhecimento de uma monstruosidade que contradiz o idealizado. Por isso “Monstera”.
Qual é o seu verso favorito do livro? Há alguma explicação?
Como nesse livro os versos são curtos, em sua grande maioria, selecionar um aqui o deixaria sem sentido. Mas posso dizer que meu poema favorito é “Melodia”, o que tenho como mais bonito e mais duro. A condensação entre as imagens de uma árvore do lado de fora e uma mãe deprimida é forte para mim. É o único poema do livro que não consigo ler em voz alta. Ele me arrepia.
Como você conheceu a editora Urutau?
Eu fiz faculdade na Unicamp e acabei conhecendo algumas pessoas dos cursos de Estudos Literários e Filosofia que publicaram pela Urutau.
Isabela Sancho
nasceu em Campinas, no interior de São Paulo, em 1989. Estudou artes visuais e se formou em Arquitetura e Urbanismo pela Unicamp. Integra o corpo de poetas do portal Fazia Poesia e é autora dos livros de poemas e ilustrações “As flores se recusam” (Editora Patuá, 2018) e “A depressão tem sete andares e um elevador” (Editora Penalux, 2019). Morou em Milão e vive em São Paulo capital.